Wednesday, 12 January 2011

District 9

Gostei muito. Uma história original e bem engendrada. Um classe "B" que não fica nada atrás de nenhum outro.


Título original: District 9
De: Neill Blomkamp
Com: Sharlto Copley, Jason Cope, Nathalie Boltt
Género: Ficção Científica, Thriller
Classificação: M/16

EUA/NZ, 2009, Cores, 112 min min. (IMDB)

Em 1990, uma nave aterra em Joanesburgo, África do Sul, com um grupo de seres extraterrestres. Sem saber o que fazer a essas criaturas potencialmente perigosas, as nações de todo o planeta decidem enclausurá-las num gueto chamado Distrito 9, controlado pela maior empresa de fabricação de munições, denominada MNU (Multi-National United).
Vinte anos depois, sem qualquer hipótese de regressar a casa, as criaturas continuam aprisionadas no Distrito 9, que se transformou num autêntico campo de refugiados. A única relação que mantêm com os humanos é vivida na clandestinidade, numa espécie de mercado negro. Mas a MNU tem como objectivo a produção de uma arma de última geração e, para isso, envia ao local Wikus van der Merwe (Sharlto Copley), um agente cuja missão é estudar a tecnologia militar desenvolvida e transferir os alienígenas para um novo gueto, o Distrito 10.
É então que, ao manusear um objecto extraterrestre, algo lhe acontece que altera a sua composição genética tornando-o numa espécie híbrida. Esta transformação permite-lhe usar as tão cobiçadas bioarmas, que para funcionarem precisam de ADN alienígena. Van der Merwe fica por isso sob custódia dos cientistas da MNU para testes laboratoriais. E, depois de compreender o que lhe está a acontecer e conseguir escapar do laboratório, o agente conclui que o único possível refúgio é o Distrito 9, onde poderá encontrar uma forma de reverter o processo de mutação que está a acontecer ao seu corpo.
Realizado pelo sul-africano Neill Blomkamp, contou com Peter Jackson ("O Senhor dos Anéis", "King Kong") como produtor e 30 milhões de dólares de orçamento.

in Publico

Crítica:
Os alienígenas são nossos amigos

É um grande filme de género sobre o lado feio do mundo em que vivemos. Uma das grandes surpresas do ano.

De vez em quando, Hollywood leva um chuto que - como se costuma dizer - até vai de lado: gasta fortunas em filmes baseados em linhas de brinquedos e que correspondem à ideia de um departamento de contabilidade e "marketing" (mas não de um espectador...) do que é um "blockbuster" (sim, estamos a falar de vocês, "Transformers" e "G. I. Joe"), e deixa-se comer por um filmezinho feito à margem do radar por gente de quem nunca se ouviu falar, que consegue ter mais cabeça, mais emoção e mais acção em dez minutos do que esses pretensos "blockbusters" em duas horas ou mais. "Distrito 9" veio comer as papas na cabeça a todas as apostas de Verão dos grandes estúdios e o mais espantoso é que esta produção independente rodada por tuta e meia na África do Sul seja também um extraordinário filme sobre o mundo em que vivemos - como aliás é apanágio dos grandes filmes de género e de série B, em cuja linhagem "Distrito 9" se insere honrosamente.

O cenário é uma favela de Joanesburgo que vai começar a ser desmantelada e cujos habitantes vão ser transportados para o Distrito 10, que tem o aspecto de um campo de refugiados. Mas faz sentido que assim seja, porque quem mora neste bairro da lata são de facto refugiados - de outro planeta. Extra-terrestres cuja nave espacial, avariada e aparentemente impossível de ser consertada com a tecnologia humana, veio "dar à costa" sobre a metrópole sul-africana há vinte anos, e que acabaram por nunca ser verdadeiramente assimilados pela sociedade, que os explora, humilha e despreza como "gafanhotos". A metáfora evidente é o "apartheid", mas pode ser esticada para "o outro", "o diferente", "o que não é como nós", "o imigrante" - o que torna o primeiro filme de Neill Blomkamp, publicitário sul-africano de 29 anos, num retrato distorcido de um mundo onde a globalização está a andar depressa demais para muito boa gente (e o seu sucesso nos EUA, país onde neste momento a questão do outro e da diferença é central ao próprio debate sociopolítico, é mais significativo do que parece).
Wikus van de Merwe, um burocratazinho cobarde encarregue do processo de transferência dos extra-terrestres para o novo campo de refugiados, entra acidentalmente em contacto com uma substância orgânica que começa a alterar o seu ADN e o torna num mutante preso no limbo entre dois mundos e extremamente valioso para a multinacional onde trabalha, forçando-o a unir esforços com um dos extra-terrestres. Apesar de estruturado como um falso documentário (com depoimentos de experts e tudo) que retraça a história da difícil coabitação humanos-E.T.s e procura explicar os misteriosos acontecimentos iniciados com o processo de transferência para o Distrito 10, "Distrito 9" é um mutante inteiramente novo. Tal como as grandes séries B dos anos 1950 e 1960 transmutavam os medos do mundo real em ficções de medo, "Distrito 9" compacta um enorme "mash-up" de sátira política, comentário social, teorias da conspiração, estéticas pós-modernas e figuras obrigatórias do cinema de género num filme que se ancora numa vertente profundamente humana.
A odisseia de Wikus, o burocrata que se procura agarrar à sua humanidade no exacto momento em que todos os outros lha recusam, tem algo da dimensão trágica da "Mosca" de Cronenberg (veja-se o extraordinário plano final) cruzada com o comentário político de um Ken Loach, mas o todo disfarçado por entre um filme de acção superiormente gerido, à qual a opção pela câmara "vérité" (substituindo a montagem ultra-rápida) vem dar uma adrenalina e uma urgência ausentes da maior parte da concorrência de grande orçamento.
"Distrito 9" apenas vem confirmar como o cinema de género é muito menos "menor" do que a maior parte das pessoas acham. Que o filme tenha sido "apadrinhado" por Peter Jackson, cineasta que ele próprio transcendeu as suas origens de género sem as trair (e que permitiu a Blomkamp fazer o seu filme em absoluta liberdade e fora do radar dos estúdios), é apenas mais uma prova de que não devemos olhar de esguelha para os alienígenas - temos muito a aprender com eles. Mesmo que Hollywood não aprenda a lição.

Jorge Mourinha

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