Tuesday, 2 February 2010

Avatar

Um espectáculo visual sem qualquer dúvida. Não fiquei grande fã do 3D, especialmente da legendagem flutuante. Ficará na história, mas não pela sua história, que é sofrível. Bom divertimento ... mas pouco mais.

Título original: Avatar
De: James Cameron
Com: Sam Worthington, Zoe Saldana, Sigourney Weaver, Stephen Lang
Género: Acção, Aventura
Classificação: M/6

EUA, 2009, Cores, 162 min. (IMDB)

Apesar de confinado a uma cadeira de rodas, Jake Sully (Sam Worthington), um ex-marine, continua a ser um combatente. Assim, é recrutado para uma missão a Pandora, um corpo celeste que orbita um enorme planeta gasoso, para explorar um mineral alternativo chamado Unobtainium, usado na Terra como recurso energético. Porém, devido ao facto de a atmosfera de Pandora ser altamente tóxica para os humanos, é usado um programa de avatares híbridos, que possibilita a transferência da mente de qualquer humano para um corpo nativo.
Como as relações entre as duas raças tem estado em crise, Jake, já no seu corpo avatar, é também incumbido de tentar infiltrar-se naquela sociedade e encontrar uma forma de a dominar. Mas após ter sido salvo por Neytiri (Zoe Saldana), uma bela nativa, e perceber que afinal as ordens da Terra não vão ao encontro daquilo em que sempre acreditou, Jake questiona as razões. Ao ver-se dividido entre os pacíficos Na'vi e as forças que estão empenhadas em destruí-los, Jake toma a posição em que acredita.in Publico

Crítica:
O longamente aguardado épico 3D de James Cameron é um espantoso exercício visual onde a demiurgia ganha aos pontos à dramaturgia

Vamos começar pelo paradoxo: "Avatar" não precisa do 3D para nada, mas não seria nada sem ele. Ou seja: a história que Cameron quer contar - a redenção de um soldado humano como líder de um povo alienígena - é herdada de séculos de histórias de aventuras exóticas (veio-nos à cabeça, vá-se lá saber porquê, "As Quatro Penas Brancas"), resiste intacta a qualquer tecnologia mais ou menos avançada. É verdade que, por si só, os efeitos visuais impecáveis de "Avatar" justificariam a visão "normal". No entanto, percebemos rapidamente o que é que atraiu Cameron no uso do 3D - a possibilidade de imergir o espectador num universo ficcional, de subir ao patamar superior da criação, de ser, em suma, uma espécie de "demiurgo sofisticado", batendo a galáxia longínqua de George Lucas aos pontos no seu próprio terreno. Mas não o faz, de todo, de modo sobranceiro ou altaneiro - antes com o prazer arregalado de um contador de histórias que convida os que o rodeiam a entrar no jogo, com a entrega de um miúdo a brincar ao faz-de-conta e que quer que os outros vejam o mundo que ele está a criar e desfrutem dele como ele o faz.

É por essa "démarche" de sedução e convite que Cameron ganha "Avatar", durante as suas primeiras duas horas, como um guia turístico que leva o seu tempo a mostrar as belezas naturais de Pandora ao visitante. E, inteligência suprema, faz o espectador vê-lo através dos olhos de Jake Sully, o soldado paraplégico projectado sensorialmente num corpo geneticamente construído, misto de ADN humano e alienígena, tal como a sua história é um misto de ficção científica futurista e mito tribal primitivo, tal como o seu filme é uma combinação de imagem real tradicional e virtual "state of the art".

"Avatar" é um híbrido - e essa é a sua grande força e a sua principal fraqueza. Cameron não é o argumentista mais inventivo do mundo e nunca primou pela subtileza, pelo que a sua história parece um "megamix" de ideias recicladas de outros e melhores filmes (alguns deles até seus), sem o distanciamento meta-narrativo ou pós-moderno que a tornaria contemporânea. Ao mesmo tempo, a sua concepção psicadélico-fluorescente do povo alienígena Na''vi está demasiado próxima da visão tradicional do "bom selvagem", abraçando os lugares-comuns bocejantes de uma boa consciência ecológica que encontram o seu oposto ideal na vilania de papelão do militar mercenário. Não é preciso muito para perceber que, sim, Cameron gosta do melodrama clássico, básico, simples, e não há nada de mal nisso. Mas, no modo como tudo perde progressivamente gás em direcção a um final que se adivinha à distância, a sensação que fica é a de uma versão extra-terrestre da luta das tribos nativas contra a civilização ocidental, que abre portas e pistas que nunca mais acabam mas que fica sempre aquém do que podia ser - que nunca ganha verdadeiramente espessura para lá do arquétipo porque o realizador se distraiu com a caixa de brinquedos visual que ele próprio criou.

A verdade é que o percebemos. Raras vezes conseguimos olhar para um filme e sentir que estamos a ver qualquer coisa, outra coisa, alguma coisa que vai para lá daquilo a que estamos habituados, e que não se quer limitar a pintar quadros mas quer que esses quadros ganhem vida e nos toquem da mesma maneira que o tocaram a ele. Cameron conseguiu fazê-lo em todos os seus filmes anteriores, mas a pulsão criativa de "Avatar" é esmagadora, até mesmo alucinogénica no grau de detalhe com que todo este universo extra-terrestre é concebido, e no modo como Cameron o usa como reflexo e ressonância da história que conta. Poder-se-ia dizer que é um filme de um director artístico mais do que um realizador, mas isso é negar que Cameron sempre procurou que as suas epopeias tecnológicas tivessem uma alma humana; e, mesmo que nem tudo esteja no ponto em "Avatar", há emoção e arte e vida em Pandora. Que existiria mesmo sem o 3D, mas que, com a tecnologia, faz a diferença entre a admiração distante e a partilha.

James Cameron criou um universo dentro da sua cabeça e quis-nos convidar a visitá-lo, sem segundas intenções que não a de nos mostrar um espectáculo que nunca vimos antes. Quando foi a última vez que um cineasta nos fez um convite destes?


Jorge Mourinha

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