Thursday 26 August 2010

Salt

Para mim morno e sem Salt. Saltamos de uma primeira parte em que tudo parece complicado e as perseguições se sucedem, para uma acção quase cronometrada e com sabor a super-heroi... Dá para passar o tempo.

Título original: Salt
De: Phillip Noyce
Com: Angelina Jolie, Liev Schreiber, Chiwetel Ejiofor, Daniel Olbrychski, Andre Braugher
Género: Acção
Classificacao: M/12

EUA, 2010, Cores, 97 min. (IMDB)

Evelyn Salt (Angelina Jolie) é uma das mais bem treinadas agentes da CIA. Quando o desertor russo Vassily Orlov (Daniel Olbrychski) aparece na agência, declarando que ela fez parte de um programa secreto do Governo soviético chamado KA, que treinava crianças para se tornarem assassinas, ela rapidamente compreende que a fuga é a única solução. Assim, servindo-se dos longos anos de experiência como agente infiltrada, consegue escapar aos seus perseguidores. Agora, com os próprios colegas Ted Winter (Liev Schreiber) e Peabody (Chiwetel Ejiofor) no seu encalço, ela irá avaliar todas as pistas e fazer de tudo para provar a sua inocência. Mas será Salt quem julga ser? Que verdades estarão por revelar?
Um "thriller" de acção realizado por Phillip Noyce ("O Coleccionador de Ossos", "Calma de Morte", "O Americano Tranquilo").in Cinecartaz Publico

Crítica:
A espia que saiu do frio

A simples presença de Angelina Jolie é perfeita para uma descomplexada série B de espionagem exemplar das virtudes de um profissionalismo que anda a fazer muita falta

Há que dizê-lo com frontalidade: graças a Deus que não foi Tom Cruise, para quem "Salt" foi originalmente desenvolvido, a interpretá-lo. Não somos só nós a dizê-lo - Karina Longworth, na "Village Voice", já o fez quando o filme estreou nos EUA em fins de Julho -, mas a verdade é que Angelina Jolie é perfeita para o papel ambíguo de um possível agente duplo, resquício da Guerra Fria transposto para os nossos dias.

É um caso em que a mudança de sexo correu às mil maravilhas e a mulher que daí resultou é muito mais interessante do que o homem alguma vez teria sido: porque a nossa "crença" na personagem depende inteiramente de acreditarmos nela, mais do que como um super-espião capaz de tudo, como alguém que passou a vida a esconder-se atrás de máscaras e que dá por si subitamente vulnerável. Estamos a ver Cruise a ser vulnerável? Bem me parecia que não. Estamos a ver Jolie? Nunca ela fez outra coisa, e ainda por cima sem que isso afecte a força e a determinação que ela projecta - antes reforçando-as.

Jolie é uma criatura de contradições e paradoxos, sedução e mistério - e isso torna-a perfeita para o papel de uma agente da CIA subitamente acusada de ser na verdade uma agente russa infiltrada desde miúda à espera de ser "acordada" para levar a cabo a sua missão. Não se pode dizer que "Salt" não seja derivativo: o guião de Kurt Wimmer remete, ao mesmo tempo, para uma série B pouco recordada dos anos 70 com Charles Bronson, "Telefone", para o recente tecno-"thriller" "Olhos de Lince", para os filmes de espionagem clássicos dos anos 60, para os "thrillers" paranóicos dos anos 70, para a série "Bourne" (que se parece ter tornado numa espécie de "matriz" de muito do cinema de acção contemporâneo).

Mas, nas mãos do veterano australiano Phillip Noyce, esse lado derivativo é trabalhado usando o livro de virtudes da série B e convertido em mais-valia: eficácia, economia, cartas na mesa, desembaraço, profissionalismo, uma consciência absoluta do que se está a fazer, para quem o está a fazer e com quem o está a fazer. "Salt" não engonha nem perde tempo com o que não vem ao caso, sabe o que tem a fazer e fá-lo sem se engasgar - com, pelo meio, uma primeira meia-hora magistralmente construída e gerida que é uma lição de filmar e montar acção sem ter de recorrer a efeitos visuais mais ou menos artificiais. Numa paisagem hollywoodiana em que estas virtudes são cada vez menos valorizadas, ver um filme "à moda antiga" como este é reconfortante. Que esse filme tenha caído nas mãos da actriz perfeita para a sua história apenas o torna ainda mais recomendável.

Jorge Mourinha

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