Wednesday, 14 January 2009

Sete vidas

Este é um daqueles que nos deixa com um amargo na boca. Bom.

Titulo original: Seven Pounds
De: Gabriele Muccino
Com: Will Smith, Rosario Dawson, Woody Harrelson
Genero: Drama
Classificacao: M/16

EUA, 2008, Cores, 118 min. (IMDB)

Atormentado por um segredo, Ben Thomas (Will Smith) procura a sua redenção transformando radicalmente a vida de sete desconhecidos que escolheu criteriosamente. A única coisa que estas pessoas têm em comum é que chegaram a um ponto de viragem nas suas vidas e precisam que algo mude, seja na sua vida sentimental, na saúde ou nas finanças, para conseguirem continuar. Depois do plano em marcha, nada poderá travar Ben. Mas algo de inesperado acontece, quando uma dessas desconhecidas o toca tão profundamente que transforma também a sua vida.in Publico

Crítica:
Engana-me que eu gosto

Will Smith reencontra o italiano Gabriele Muccino para voltar a explicar como é que se faz um melodrama de fazer chorar as pedras da calçada.

Will Smith deve ao italiano Gabriele Muccino, realizador de "O Último Beijo", a sua mais recente nomeação para os Óscares, pelo enxutíssimo melodrama baseado-em-caso-verídico "Em Busca da Felicidade" (2006). E que a maior vedeta de cinema do mundo escolha voltar a trabalhar com um realizador europeu para um novo melodrama enxuto de fazer chorar as pedras da calçada é algo de significativo. Por um lado, há a vontade de repetir uma experiência que correu bem, mesmo correndo os riscos inerentes à exploração de uma fórmula; por outro, uma admissão que não há, hoje, em Hollywood quem consiga actualizar a este nível de requinte e justeza a fórmula do melodrama clássico.

Muccino sabe que a sua história - um misterioso funcionário dos impostos com um peso na consciência torna-se numa espécie de "anjo da guarda" de pessoas a quem o destino trocou as voltas- cumpre todos os requisitos (e mais alguns) do melodrama de puxar à lágrima e estica a plausibilidade da narrativa até um ponto que, visto a frio, é escandalosamente forçado e com o seu quê de calculismo sonso. É a diferença entre um cineasta que compreende as regras do jogo e trabalha dentro delas, como Muccino, e um que finge fazê-lo para melhor mostrar o seu desprezo pela tradição, como Lars von Trier fez no abominável "Dancer in the Dark": vá de compensar isso com uma sobriedade elegante e um luxo discreto a que se poderia chamar "design italiano". A aposta é em extrair toda a emoção da história e do espectador como quem não quer a coisa, aproveitando a simpatia natural da sua vedeta ao mesmo tempo que o força a um "jogo duplo" sempre à beirinha da manipulação demiúrgica. Onde essa simpatia mascara uma dor profunda levada quase ao ponto da flagelação crística, mas conduzindo discretamente o espectador a compreendê-lo por si próprio, sem nunca sublinhar nada a traço grosso, com uma contenção de tal modo seca que fica paredes-meias com o desarmante.

É essa contenção, muitíssimo bem traduzida por um Smith frágil e torturado (e cada vez mais interessante enquanto actor e produtor) e por uma Rosario Dawson deslumbrantemente delicada, que transporta "Sete Vidas" em crescendo até um final devastador, certeiro no modo como transcende a implausibilidade para tornar comovente o que noutras mãos seria apenas lacrimejante. De pouco importa que "Sete Vidas" se pareça desmoronar uma vez terminada a projecção; enquanto dura, a convicção com que Smith e Muccino se entregam a esta história de generosidade e altruísmo levados ao limite do sacrifício masoquista anulam qualquer resistência. Não é outro "Em Busca da Felicidade", mas é isto que um melodrama tem obrigação de ser.

Jorge Mourinha

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