Saturday, 23 August 2008

Wall.E

Este é um filme fantástico. A primeira parte onde não existem diálogos é simplesmente deliciosa, uma imagem vale verdadeiramente por 1000 palavras. Técnicamente irrepreensível, artisticamente perfeito. Como podem ter reparado, adorei. Go Go PiXAR.

Título original: WALL.E
De: Andrew Stanton
Com: Ben Burtt (Voz), Paul Eiding (Voz), Kim Kopf (Voz)
Género: Ani, Com
Classificação: M/6

EUA, 2008, Cor, 98 min. (IMDB)

Há 700 anos, os humanos abandonaram a Terra, mas sonham voltar um dia. Para trás, ficou apenas Wall.E, um pequeno robô muito curioso e que se sente um pouco sozinho. Até ao dia em que chega a bela Eve, uma sofistica robô, que percebe que Wall.E pode ter descoberto, inadvertidamente, a solução para o futuro da Terra. Wall.E encanta-se por Eve mas ela corre de volta para o Espaço para contar aos humanos que a hora por que há tanto esperam pode estar perto. Talvez, por fim, seja seguro regressar à Terra, voltar a casa. Wall.E, no entanto, não desiste da sua amada robô e persegue-a galáxia fora, numa divertida aventura. Wall.E chegou para encantar e percebe-se porquê: pertence às melhores famílias e foi criado pelos humanos responsáveis por "À Procura de Nemo", "Carros" e "The Incredibles - Os Super-Heróis".in Publico

Crítica:
O toque humano

Vejamos: daqui a 700 anos, a Terra sobreconsumida tornou-se num deserto árido feito de lixo e poeira, onde só as baratas e os robôs sobrevivem, e os humanos retiraram-se para o espaço para aí viverem uma existência quase "virtual" como consumidores passivos a bordo de super-naves automatizadas. Estariam perdoados por pensar que isto é apenas a mais recente distopia de ficção-científica em variação sobre a icónica "Matrix" dos manos Wachowski.

Em vez disso, o que acabámos de descrever é a base do mais recente prodígio animado por computador da Pixar de John Lasseter - sim, os mesmos dos "Toy Story" e de "À Procura de Nemo" e de "Ratatui". E um prodígio que, ao mesmo tempo que confirma a perfeição tecnológica e a sofisticação visual a que o estúdio de Emeryville nos habituou, regressa à própria origem pioneira do cinema, à capacidade de contar uma história de modo puramente visual, sem as "âncoras" do diálogo narrativo.

Que o mesmo é dizer: os primeiros vinte minutos de "Wall-E" não têm diálogo de espécie nenhuma. E só um terço do filme, se tanto, tem diálogo falado. Nestes tempos em que o cinema quer tanto encher o olho que se carrega na espectacularidade em detrimento de tudo o resto, em que a narrativa é um simples pretexto para acumular as sequências de acção, os magos da Pixar respondem de modo absurdamente simples: fazendo da própria imagem a narrativa, integrando tudo aquilo que é necessário ao espectador para seguir a história no modo como as personagens se movimentam e interagem com o seu universo, sem recorrer a "muletas" narrativas ou diálogos.

É, em suma, cinema em estado puro: uma experiência acima de tudo visual que invoca ao mesmo tempo os pioneiros da comédia cinematográfica (Chaplin e Keaton à cabeça) e a ficção-científica distópica ("2001: Odisseia no Espaço", "À Beira do Fim", "O Último Homem na Terra" à cabeça), e que o faz dentro do quadro criativo da mais velha história do cinema - "rapaz encontra rapariga".

A questão aqui, claro, é que o "rapaz" e a "rapariga" são robôs. Wall-E é o único "homem do lixo" que resistiu à erosão do tempo na Terra abandonada, "almeida" solitário de um planeta deserto que desenvolveu uma personalidade de coleccionador maníaco e tem como único amigo uma barata curiosa. EVA é a sonda aerodinâmica e sofisticada enviada à Terra para investigar se há sinais de vida vegetal que marquem a regeneração do planeta e o retorno da sustentabilidade da vida humana. O homem do lixo e a super-modelo, em suma, um casal tão improvável como ternurento - se é que é possível chamar "ternurento" a metal e circuitos programados.

Mas, claro, no mundo da Pixar, como já percebemos, tudo é possível, e "Wall-E" é o passo seguinte da evolução da companhia que o geralmente incompreendido "Carros" pôs em marcha. Não só Wall-E e EVA são realmente dois românticos ternurentos como este é o filme mais arriscado, arrojado e experimental que o estúdio alguma vez produziu. Esta mistura quase sem diálogos de alegoria ecológica, sátira consumista (arrepiantemente certeira) e romance desastrado, que recorda a espaços o ostracizado "Cosmonauta Perdido" de Douglas Trumbull, é o evidente resultado de criativos que não estão interessados em fazer mais do mesmo mas sim em forçar os limites do que pode ser feito no cinema de animação.

E a ironia suprema de "Wall-E" é a de ser um filme sem narrativa convencional que conta uma história mais bem construída, mais conseguida, mais inteligente e mais comovente do que 99 por cento da produção "convencional" corrente. Porque, independentemente da distopia futurista, este é um filme optimista, que assume que enquanto a espécie humana tiver engenho e bom senso, o futuro só pode ser bom. E porque, apesar de ter robôs como estrelas e de ser uma aventura futurista, o que nele se conta é a história de um solitário que descobre o amor e de como isso muda, literalmente, o seu mundo. Está tudo nas lentes que servem de olhos a Wall-E - e na magia indecifrável com que Andrew Stanton e a sua equipa transformam essas lentes numa janela para a alma de um robô solitário num mundo vazio, e, por extensão, para a lição de humanidade que Wall-E e os seus confrades metálicos dão a uma sociedade que esqueceu o que é o toque humano (magistralmente reflectido nas "mãos" dadas, primeiro, de Wall-E e EVA e, depois, de John e Mary).

A palavra pode estar gasta, mas há casos em que não é possível usar outra: "Wall-E" é uma obra-prima.

Jorge Mourinha

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