Wednesday 11 February 2009

Valquiria


Excelente thriller histórico. Tom Cruise está bem mas acho que outro actor menos superstar ficaria melhor.

Título original: Valkyrie
De: Bryan Singer
Com: Tom Cruise, Kenneth Branagh, Bill Nighy
Género: Drama, Thriller
Classificação: M/12

ALE/EUA, 2008, Cores, 123 min. (IMDB)

O coronel Stauffenberg (Tom Cruise) sempre foi fiel ao seu país, o qual serviu com orgulho. Mas ao ver Hitler precipitar a Alemanha e a Europa no caos, começa a acreditar que é preciso passar à acção e travar o líder da Nacional Socialista. Em 1942, tenta conduzir vários oficiais superiores à rebelião, mas será em 1943, quando recupera de ferimentos sofridos em combate, que reúne forças junto da Resistência Alemã e organiza uma conspiração para matar o Führer. O plano, a operação Valquíria, é astuciosamente desenhado, e a missão de matar Hitler entregue ao próprio Stauffenberg.in Publico

Crítica:
Os superheróis também morrem

Não é "o filme do costume" sobre o nazismo ou sobre o anti-nazismo. É mais ambíguo do que isso.


"Valquíria" é muito provavelmente o melhor filme de Bryan Singer. Realizador conhecido pelas suas incursões em universos de superheróis (os "X-Men", o "Superman") ou habitados, na mesma ordem de maniqueísmo, por criaturas a eles aparentadas (como o Keyser Soze de "Os Suspeitos do Costume", o seu primeiro e mais célebre filme).

Uma das coisas curiosas de "Valquíria" é constatar que, se Singer até já tinha filmado um eco directo do nazismo (em "The Apt Pupil", baseado numa história de Stephen King), este mergulho no nazismo propriamente dito não deixa de convocar atmosferas e ambientes aproximáveis aos desses filmes.

Há qualquer coisa dos "X-Men" nas cenas das reuniões das cúpulas da resistência antihitleriana (onde pontifica a opaca majestade de Terence Stamp, que Singer tinha querido trazer para os "X-Men" depois de o ter visto como vilão no... "Superman 2"), mas também o há nas reuniões do estadomaior (e na própria inexpugnabilidade) de Hitler.

A dimensão palaciana da conspiração de Julho de 44 (a mais importante tentativa para matar Hitler e organizar um golpe de estado), que o filme reconstitui, é dada como um confronto de "titãs", e protagonizada por um homem (o Coronel Stauffenberg, interpretado por Tom Cruise) cujas características físicas favorecem um tratamento que lembra o dos super-heróis clássicos, aqueles que adquirem poderes especiais na sequência de um desastre que lhes deixa o corpo marcado.

A Stauffenberg falta uma mão e um olho, em resultado de um ferimento de guerra, e é como se Singer usasse essa imperfeição física (por exemplo nas várias cenas com o olho de vidro, que Cruise constantemente tira e põe) para sublinhar o que nesta personagem está já para além de uma humanidade em sentido comum. E, também, no mais impressionante plano de todo o filme (um "heil Hitler" de Stauffenberg com o coto no lugar da mão estendida), para destruir a própria "iconografia" nazi através da caricatura da sua monstruosidade.

Ambíguo, certamente. "Valquíria" não é "o filme do costume" sobre o nazismo ou sobre o anti-nazismo. Fora sabermos que Stauffenberg e os seus camaradas estão do lado certo da História, nada há de reconfortante nem neles nem nas suas motivações - o que é até, pelo menos até certo ponto, historicamente justo. Stauffenberg, assim como boa parte do corpo de oficiais do exército alemão, era oriundo da velha aristocracia militar prussiana, que não tinha especial simpatia pelo nazismo mas podia conviver bem com ele enquanto os interesses se mantivessem comuns e a classe não se sentisse particularmente desonrada.

A perspectiva da derrota total da Alemanha (o único tipo de derrota que o fanatismo hitleriano podia aceitar) não fazia parte desses interesses, e as atrocidades nazis eram intoleráveis, não por si mesmas mas pela "desonra" que lançavam sobre o civilizado prestígio da Alemanha. E resumidamente é com estes argumentos que Stauffenberg, na cena preambular de "Valquíria", explica a sua resolução de combater Hitler.

Um combate que se joga, portanto, para além de um humanismo canónico: serão máquinas contra máquinas, máquinas organizativas mas também homens dotados de uma frieza maquinal, como se não houvesse hipótese de ser de outra maneira. Singer adensa esta desolação humana na cena (a única em que se houve Wagner) com os filhos de Stauffenberg, que macaqueiam saudações e palavras de ordem nazis, eles também já pequenas máquinas condicionadas por uma educação para o nazismo.

A partir daqui, "Valquíria" constrói uma reconstituição da conspiração de Julho totalmente servida em frieza e determinação, desprovida de palha sentimental (mesmo as cenas com a mulher de Stauffenberg servem apenas para sublinhar a sua frieza e a sua determinação), um confronto quase "conceptual", vivido em abstracção da humanidade dos protagonistas. E nesse passo, será a sua maior proeza, reencontra alguma da severidade dos filmes anti-nazis que Fritz Lang fez durante a II Guerra ("Os Carrascos Também Morrem", "Feras Humanas"), onde a reacção ao nazismo podia nascer de uma repulsa moral mas o combate tinha que ser feito numa suspensão dessa moral - utilizando os códigos e os processos do inimigo, combatendo a desumanidade com a desumanidade.

Stauffenberg, pelo menos o Stauffenberg de Bryan Singer, parece consciente disso. Só que a "conspiração de Julho" não foi um filme de Fritz Lang, nem foi um filme de super-heróis; o que é interessante é que Singer, obviamente também consciente disso, a tente filmar como se sim, tivesse sido.

Luis Miguel Oliveira

Surpreendente a secura deste "Valquíria". Tendo em conta que é de Bryan Singer, não se esperaria um "thriller" de câmara (é assim que nos é mais fácil classificá-lo), sombrio e nada heróico, não fazendo nada para tirar as personagens do terreno escorregadio da ambiguidade (e falamos daquelas personagens que estão do lado dos "bons", contra Hitler). Muita coisa por aqui lembra algum cinema americano da Hollywood dos artesãos clássicos.

Mas há Tom Cruise, e é pena (nada contra ele, mas a verdade é que poucos actores conseguem fazer tudo e Tom não é um deles). Mesmo sem uma mão, sem dedos e sem um olho, Tom transpira a saúde de um herói de acção adolescente. Como pode ser ele um aristocrata alemão? A decisão do seu "casting" é uma traição ao espírito de "Valquíria", que em tudo o resto foge do filme veículo para uma mega-star.

Vasco Câmara

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