Título original: Robin Hood
De: Ridley Scott
Com: Russell Crowe, Cate Blanchett, Max von Sydow, William Hurt
Género: Aventura, Drama
Classificação: M/12
EUA/GB, 2010, Cores, 148 min. (IMDB)
Inglaterra, século XIII. Robin Longstride (Russell Crowe) toda a sua vida prestou serviço leal ao rei Ricardo I, de cognome Coração de Leão, mas hoje, após a morte do grande soberano, o país atravessa uma grave crise nas mãos do Príncipe João(Oscar Isaac) transformando Nottingham numa cidade saqueada não apenas pelos governantes mas também pelo próprio xerife local (Matthew Macfadyen). Ao encontrar o amor em Lady Marion (Cate Blanchett), na esperança de merecer a sua mão e salvar a população de toda a iniquidade, ele vai criar um grupo de mercenários justiceiros, cujas capacidades guerreiras só se poderão comparar à sua alegria de viver. Assim nascerá a lenda de Robin Hood, o grande herói fora-da-lei que, roubando aos ricos para dar aos pobres, devolveu a glória e a liberdade ao país que o viu nascer.in Publico
Crítica:
Robin Hood antes da lenda
Riddley Scott joga a histeria da câmara como compensação para a ausência de espessura mítica do seu Robin dos Bosques: é a principal imagem de marca do filme, e também a sua principal limitação
O mito de Robin dos Bosques possui uma larguíssima fortuna cinematográfica que podemos radicar no veículo concebido para as acrobacias atléticas do grande Douglas Fairbanks, realizado por Allan Dwan, em 1922, no qual se figurava uma longa sequência de um torneio medieval, tropo incontornável do "swashbuckler" como género, a preceder a partida de Ricardo Coração de Leão para as cruzadas. No entanto, o filme que constitui a matriz para quase todas as variações modernas (cinematográficas ou televisivas) é a obra-prima da Warner Bros, "As Aventuras de Robin dos Bosques" (Michael Curtiz, 1938), em que, num glorioso tecnicolor, se cunhavam as características fundamentais das histórias da Floresta de Sherwood: o carisma aventuroso romântico do herói (genial Errol Flynn), as flechadas certeiras em alvos de cartão e inimigos, uma Lady Marian angelical confiada a Olívia de Havilland, um trio inesquecível de vilões, progressivamente tragicómicos, um Rei Ricardo idealizado, um Frei Tuck glutão e belicoso e, sobretudo, uma ligação directa ao imaginário oitocentista, desde o romance histórico de Walter Scott às vinhetas vitorianas de uma Idade Média herdeira das baladas medievais ou das configurações pré-rafaelitas. Todas as versões posteriores, com a possível excepção de "A Flecha e a Rosa" (Richard Lester, 1976, com Robin e Marian envelhecidos e decadentes), partilhavam desta concepção global, mais lendária do que histórica, feita de reconhecíveis fugas, lutas, amorosos encontros e desencontros.
Esta introdução torna-se fulcral, porque a recente versão de Ridley Scott, revisionista chamar-lhe-ão alguns, opta por uma perspectiva totalmente diferente: em vez do regresso de Ricardo, a apaziguar os confrontos entre normandos e saxõe,s ou da recuperação do estatuto perdido de Robin of Loxley rumo à felicidade eterna dos amantes, partimos da morte do rei, parecemos estar mais próximos da "verdade histórica" com a tentativa da instauração da Magna Carta, e o filme acaba (preparação antecipada de uma sequela?), depois de mais de duas horas de movimentada acção, onde deveria começar a lenda de Sherwood.
Robin (Longstride de sua graça) é filho de um pedreiro, fazendo-se passar por nobre e aproximando-se do velho "Sir" Walter Loxley (o indestrutível Max Von Sydow), Marian (Cate Blanchett de novo em territórios históricos, depois de Isabel I) é uma desmazelada e voluntariosa viúva do verdadeiro Robert Loxley, empenhada em sobreviver das suas terras em tempo de crise, Eleanor de Aquitânia tem um papel activo na acção (mais perto de outra ficção co-relativa, "Um Leão no Inverno", com Eileen Atkins na personagem que Katharine Hepburn tornou sua), a Inglaterra está ameaçada por uma invasão francesa, o vilão principal, Godfrey (um façanhudo Mark Strong) não faz parte do cânone aventuroso tradicional, João Pequeno e Will Scarlett apenas aparecem como companheiros de cruzadas, o Xerife de Nottingham possui um papel lateral, e Frei Tuck cria abelhas e fabrica hidromel.
Dito isto, e apesar da fotografia soturna de John Mathieson, nos costumeiros "tons de caca, tremoço e vomitado" (que saudades do tecnicolor de tempos idos!), a forçar uma nota "realista" e feiosa, não se pense que "Robin Hood" não exibe emoção a rodos e façanhas aventurosas para todos os gostos: batalhas, emboscadas, duelos à espadeirada, chuvas de setas, assaltos a castelos medievais, estranhas invasões de praias desertas, com proezas subaquáticas (a lembrar um "O Resgate do Soldado Ryan" de outros tempos) e sádica violência sobre os camponeses, quase a citar o "peplum" italiano mais primário. E neste amálgama de condimentos, filmados "à la Ridley Scott", ou seja cruzando efeitos publicitários, estratégias televisivas, planos de grua vertiginosos ou câmaras lentas (felizmente poucas), reside a imagem de marca do filme e a sua principal limitação: ao querer trazer à liça a memória de um certo cinema recente - de "Braveheart" a "Gladiador" ou "Rob Roy" -, Scott joga com a histeria da câmara, a fim de colmatar a ausência da espessura mítica, que fez de Errol Flynn "o Robin Hood" cinematográfico por excelência.
Nos ombros avantajados de Russell Crowe, igual a si próprio, repousa a tarefa de conduzir o projecto a bom porto: imperturbável, machão (não faltam as indispensáveis cenas de nu parcial), castigador e possante, o australiano (como Flynn, curiosamente) modela o herói à sua "persona" pesadona e, atrevíamo-nos a dizer, anti-romântica, não sem que esboce, como pode, a sua aproximação ao alvo amoroso, algo masculinizado pela intervenção de Blanchett, de armadura a rigor, na batalha da praia. Desilusão? Sim, sobretudo se permanecermos fiéis ao triunfo da lenda sobre a "verdade histórica" e a um certo conceito da Hollywood que não volta mais, mas esperávamos muito pior desta tentativa de modernizar o mito (desmitificando-o), de construir um Robin dos Bosques do século XXI, destinado a um público-alvo sem memória fílmica para trás dos anos 70. Se compararmos com o "travesti" de Kevin Costner, ao som de Brian Adams (aqui temos uma versão de canto céltico, uma espécie de sub-Enya), ou com a recente série da BBC, não ficamos a perder assim tanto. Só temos que reconhecer que os tempos mudaram e o cinema enveredou por caminhos híbridos sem retorno previsível
Mário Jorge Torres
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